Um dos elementos que diferencia o estudo da Cabala quando ele é vivido dentro da ótica da sua abordagem mais ancestral, é a linguagem. Não somente a linguagem falada, mas todo o tipo de vivência e de experiência que aquele que se dedica a conhecê-la pode acessar. A Cabala, de um modo geral e em especial a Judaica, é difundida a partir da tradução dos textos e de tudo que esta tradição integra a partir do Hebraico, um alfabeto belíssimo e de significados muito profundos. A Cabala Ancestral, no entanto, resgata a língua original, o Aramaico Protocananeu. É a partir do Aramaico Protocananeu que os textos, suas interpretações e as referências desta tradição encontram o seu verdadeiro sentido, que está muito afastado da imensa maioria das traduções que conhecemos. Em alguns momentos, as traduções trouxeram termos absolutamente opostos àqueles que constam dos textos antigos. O motivo deste desvio linguístico e de seus significados é sabido, e se encontra dentro das premissas de ordens religiosas, cuja necessidade de controle e manipulação das massas trouxe à tona um deus violento, vingativo, a ideia de demônios e toda sorte de obrigações morais que se fundam em crenças categóricas e absolutas cuja não obediência implica imposição de punições. Um deus que barganha, feito à imagem e semelhança do ser humano. Um exemplo desta deturpação de linguagem é encontrado na Árvore da Vida. Em Aramaico, as duas esferas que em Hebraico são conhecidas com os nomes de Keter e Malchut, são chamadas de Ketur e Malki. Em hebraico, Keter e Malchut significam coroa e reino, respectivamente. Signos de um território onde há reis, coroas, onde a ideia sedentária e monárquica está instalada. Deus é um rei, está em um trono, habita um palácio, um templo. Em Aramaico, Ketur significa desejo potente (além de aroma) e Malki, posse. Ketur é o desejo potente de todo ser humano, um desejo que passaremos a vida inteira na disposição de alcançar, já que ele é o desejo da Luz, de Deus, ou de como você denomine a energia criadora de tudo, o desejo que sonhou e criou tudo que há, um desejo que nosso coração não é capaz de carregar tão facilmente. O desejo doador por excelência. Malki, a posse, é o mundo físico, onde está a ponta final de tudo. Tudo é um desejo para uma posse. Alcançar a essência divina e trazê-la ao mundo físico, é assim devemos percorrer este caminho que existe entre Malki e Ketur. E esta ideia, muito longe da noção de reinos, templos, muros e reinados, é perfeitamente plausível dentro de um contexto de seres humanos nômades, caminhantes, que atravessavam desertos, cuidavam de rebanhos e viviam em tendas, que é o contexto dos personagens do Pentateuco. Outro exemplo de transfiguração da linguagem e de seus símbolos é a letra Dalat. Dalat, em Aramaico, significa porta, entre outras coisas, assim como a sua correspondente posterior em Hebraico, Dalet. A forma das letras denuncia. Em Aramaico, o desenho de Dalat é um triângulo, e em Hebraico, Dalet tem a forma similar ao número sete, e lembra o contorno de uma porta como a conhecemos, com o batente superior e o seu contorno direito. Na Idade do Bronze, época em que o texto bíblico foi escrito, não havia portas com este formato, mas tendas com as aberturas que lembram um triângulo. O estudo da Cabala a partir do Aramaico Protocananeu permite acessar camadas mais profundas da sabedoria, tornando a experiência de vivenciá-la uma aventura potente e transformadora. “Quais são as bases, os fundamentos espirituais e de cosmogênese da Cabala Ancestral a respeito das origens deste alfabeto milenar antigo? Muita gente pergunta por que não estudamos o alfabeto hebraico, e a resposta é porque o alfabeto hebraico veio muito tempo depois. O texto bíblico foi escrito originalmente em aramaico antigo, e todos os personagens do Pentateuco, da Torah, falavam esta língua. Além disto, a tipografia, o desenho das letras hebraicas, com o qual a maioria já está familiarizada e conhece, só surgiu do começo da Idade Média para cá. Então Moises, Abrahão e os demais personagens da Bíblia não conheciam esta representação gráfica das letras hebraicas. O fato é que a grande informação a respeito das letras na Cabala, dentro de qualquer corrente, e de qualquer escola, é que a fonte mais original de informação sobre as letras vem de uma obra chamada Livro da Formação, Sefer Yetzirá em hebraico e Kitawa Yossará em aramaico. Este livro foi escrito pelo patriarca Abrahão, ou seja, Abrahão não conheceu o hebraico como se fala hoje, e muito menos o desenho das letras hebraicas. E quando o Livro da Formação fala sobre a forma das letras e sobre a sua energia, ele não está falando das letras hebraicas, mas das letras em aramaico, porque era este o alfabeto que se conhecia há 3.800 anos atras, que é o período de Abrahão (o final da Idade do Bronze). Essa é uma breve explicação de por qual razão o Aramaico e não o Hebraico. Além disto, sendo o Aramaico a raiz do Hebraico, que assim como outras línguas também veio do aramaico, ele vai no cerne, na raiz, nos aspectos mais essenciais da linguagem”. Ena Shamaena (Eu ouvi) de Mario Meir em aula de Introdução ministrada no curso sobre o Alfabeto Aramaico.

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